Energia por Assinatura, Geração Compartilhada e Venda de Energia. O que pretende o Tribunal De Contas (TCU), afinal?

Energia por Assinatura, Geração Compartilhada e Venda de Energia. O que pretende o Tribunal De Contas (TCU), afinal?

 

Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU), através da Representação TC 005.710/2024-3, direcionada à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em face de indícios de descumprimento do art. 28, caput, da Lei 14.300, de 6/1/2022, caracterizados por possível comercialização ilegal de créditos de energia elétrica no âmbito da micro e minigeração distribuída (MMGD), a qual se confirmada pode estar resultando, dentre outros, na concessão de subsídios indevidos para determinados grupos específicos de consumidores e na majoração das tarifas para o restante, com distorção de um dos princípios fundamentais da política pública de MMGD, qual seja: a produção de energia elétrica para consumo próprio e não para comercialização.

De início, cabe ressaltar que o TCU é um órgão é um órgão independente e autônomo, ou seja, não pertencendo a nenhum dos poderes, conforme define a própria CF88, no artigo 33, § 2°, e no artigo 71, com competências próprias e privativas, dentre elas a de fiscalizar e controlar as contas e a gestão dos recursos públicos federais. Sua atuação tem como objetivo principal garantir a transparência, a legalidade, a eficiência e a eficácia na aplicação dos recursos públicos.

No caso em tela, a atuação do TCU se aplica indiretamente à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL); e muito embora a ANEEL tenha autonomia decisória em questões regulatórias, ela ainda está sujeita à supervisão e ao controle externo exercidos pelo TCU no que diz respeito à utilização dos recursos públicos e à legalidade de suas ações. Portanto, a atuação do TCU têm o objetivo de promover boas práticas de gestão, prevenir irregularidades, visando a melhoria da eficiência e da qualidade dos serviços públicos.

Segundo suscita o TCU, em linhas gerais, há indícios de que diversas empresas, inclusive algumas ligadas a distribuidoras de energia elétrica, que desenvolvem arranjos empresariais ou modelos de negócios utilizados indevidamente para burlar a proibição de comercialização de energia; situação vedada para o mercado cativo, que deve tratar apenas com as concessionárias de distribuição[1].

Os modelos de negócio a que se refere o TCU ganharam no mercado a nomenclatura de energia por assinatura, que nada mais é que é um modelo de negócio que permite aos consumidores pagarem uma taxa fixa mensal por uma quantidade predeterminada de energia elétrica, em vez de pagar pelo consumo real de energia. Esse modelo tem sido debatido no Brasil como uma forma de promover a previsibilidade nos gastos com energia e incentivar a eficiência energética.

A dita Representação não parece mencionar diretamente a energia por assinatura ou formatos de geração compartilhada previstos na Lei 14.300/22[2] como irregulares, a meu ver. Nem haveria como. No entanto, o modelo de negócio da energia por assinatura poderia potencialmente se encaixar nas preocupações levantadas na Representação, dependendo de como é implementado.

Sabidamente, é desautorizada, pelos normativos vigentes[3], a venda de energia diretamente de geradores aos consumidores cativos, bem como a venda de créditos de energia gerada no contexto da MMGD. Portanto, o entendimento legal é que fica vedado ao cliente regular fornecer energia a terceiros. Caso isto aconteça, fica a concessionária autorizada a efetuar a suspensão do fornecimento.

Parece nos que a Representação destaca uma preocupação específica relacionada ao mercado de energia elétrica no Brasil, no que tange a venda direta de energia elétrica de geradores para consumidores cativos, através de formatos de geração compartilhada previstos na Lei 14.300/22, contornando as distribuidoras de energia elétrica, em uma prática vedada, como já referido.

Segundo o TCU, essa prática pode distorcer o funcionamento do mercado, afetando a competição e potencialmente aumentando os custos para os consumidores que permanecem no mercado cativo, fato que no médio prazo pode resultar no encarecimento das tarifas para os consumidores que não aderirem a essa modelagem.

Sem entrar no mérito dos formatos de geração compartilhada, visto que possuem previsão legal, bem como o de locação de usinas (que inclusive conta com CNAE próprio[4]), vamos nos ater ao que de fato é vedado neste mercado: a comercialização de energia e/ou excedentes (créditos). A Lei 14.300/22[5] e a RN 1000[6] vedam explicitamente o aluguel ou arrendamento de terrenos, lotes e propriedades em condições nas quais o valor cobrado seja em reais por unidade de energia elétrica. Mas, o que afinal representa a venda de energia? Em princípio, são relações comerciais onde resta estabelecida a remuneração em R$/kWh.

Ademais, conforme tratado no item 17 Voto do Diretor Relator da revisão da REN nº 482/2012, transcritos abaixo no Parecer nº 542/2015/PFANEEL/PGF/AGU:

17. Nesse ponto, a Procuradoria por meio do Parecer nº 542/2015/PFANEEL/PGF/AGU, conclui pela impossibilidade normativa de os consumidores cativos optarem pela contratação direta de energia elétrica, como se consumidores livres fossem, inclusive mediante contrato de aluguel ou arrendamento de terrenos e equipamentos com contraprestação pecuniária expressa em unidades monetárias por unidades de energia.

18. Por outro lado, como visto acima, não há a mesma restrição normativa para que os consumidores cativos exerçam a atividade de autoprodução de energia elétrica (ou de autoconsumo, conforme a nomenclatura da Resolução Normativa nº 482, de 2012, que busca enfatizar a característica de consumidor de quem optou por instalar a micro e minigeração distribuída), podendo os mesmos exercerem a posse do terreno e dos equipamentos de geração por meio de contratos de aluguel e de arrendamento cuja contrapartida não seja, fundamentalmente, o pagamento pela energia produzida. Em outras palavras, os contratos de equipamentos podem possuir cláusulas definindo o pagamento de parcelas variáveis associadas ao rendimento e à performance técnica dos equipamentos, mas o valor da parcela principal deve ser fixo de modo a não caracterizar a comercialização de energia elétrica.” (grifo nosso)

Assim, entendemos que a questão de fundo, ou seja, a venda de energia depende da avaliação caso a caso de todos os contratos estabelecidos no formato de energia por assinatura e/ou formatos compartilhados de geração distribuída. Não cabe ao TCU avaliar o nível de governança estabelecido nos veículos de geração compartilhada, se cooperativa, associação ou consórcio, pois é relação privada de livre adesão.

No entanto, é importante ressaltar que o modelo de energia por assinatura é legítimo se estiver em conformidade com as leis e regulamentações do setor elétrico, como no caso colocado acima, sem o estabelecimento de relação R$/kWh.

Portanto, a energia por assinatura pode não ser necessariamente problemática em si mesma, mas a representação ao TCU destaca a importância de garantir que todos os modelos de negócio no setor de energia elétrica estejam em conformidade com as leis e regulamentações aplicáveis, protegendo assim os interesses dos consumidores e a integridade do mercado elétrico.


[1] Lei 10.848, artigo 1° – A comercialização de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados de serviços e instalações de energia elétrica, bem como destes com seus consumidores, no Sistema Interligado Nacional – SIN, dar-se-á mediante contratação regulada ou livre, nos termos desta Lei e do seu regulamento, o qual, observadas as diretrizes estabelecidas nos parágrafos deste artigo, deverá dispor sobre (…)

[2] Art. 1°, X – geração compartilhada: modalidade caracterizada pela reunião de consumidores, por meio de consórcio, cooperativa, condomínio civil voluntário ou edilício ou qualquer outra forma de associação civil, instituída para esse fim, composta por pessoas físicas ou jurídicas que possuam unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída, com atendimento de todas as unidades consumidoras pela mesma distribuidora;

[3] RN 1000 da ANEEL

Art. 351. A distribuidora deve interromper imediatamente a interligação se constatar o fornecimento de energia elétrica a terceiros por aquele que não possua outorga federal para distribuição de energia elétrica.

Art. 655-M – § 5º É vedada a comercialização de créditos e excedentes de energia, assim como a obtenção de qualquer benefício na alocação dos créditos e excedentes de energia para outros titulares, aplicando-se as disposições do art. 655-F caso isso seja constatado. (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)

[4] CNAE 7739-0/99 – PAINEL, PAINÉIS, PLACAS SOLARES FOTOVOLTAICOS; LOCAÇÃO DE

[5] Art. 10. A concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica não pode incluir consumidores no SCEE quando for detectado, no documento que comprova a posse ou propriedade do imóvel onde se encontra instalada ou será instalada a microgeração ou minigeração distribuída, que o consumidor tenha alugado ou arrendado terrenos, lotes e propriedades em condições nas quais o valor do aluguel ou do arrendamento se dê em real por unidade de energia elétrica.

[6] Art. 655-D

§ 3º É vedada a inclusão de consumidores no SCEE nos casos em que for detectado, no documento que comprova a posse ou propriedade do imóvel onde se encontra instalada ou será instalada a microgeração ou minigeração distribuída, que o consumidor tenha alugado ou arrendado terrenos, lotes e propriedades em condições nas quais o valor do aluguel ou do arrendamento se dê em reais por unidade de energia elétrica. (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)

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